«A mecânica do coração», conta a história de Jack que nasce sabendo da rejeição de uma mãe sem rosto nem nome, causando uma ferida profunda em seu pequeno e fraco coração que, a partir desse momento, o fará depender de um curioso mecanismo de relógio que substitui seu órgão danificado, metáfora inteligente do autor que lembra ao leitor a transitoriedade e a fragilidade da vida, sempre presente diante da impossibilidade de parar o tempo, pois representaria o fim da própria vida; bem como a necessidade de aproveitar e não lamentar a perda.
Devido a esta condição, Jack aprende desde muito cedo a crueldade que as pessoas podem infligir aos seus pares, simplesmente por serem diferentes dos demais. Embora, em muitas ocasiões, seja uma faca de dois gumes usada tanto para atacar quanto para defender. Mathias Malzieu o utiliza para discutir um tema atual: assédio moral ou o bullying, cujo protagonista sofrerá em silêncio a vergonha de ser vítima e o medo da incompreensão dos adultos, que se esqueceram do mal que só uma criança é capaz de infligir a outra. Dessa forma, o autor, através do olhar inocente de Jack, reflete sobre a dupla condição da natureza humana, cujos pensamentos e ações são fortemente condicionados por uma sociedade baseada nas aparências e na intolerância ao diferente.
Nesta seção, vale destacar as semelhanças que existem entre Jack e outro personagem querido da cultura gótica: «Edward Mãos de Tesoura»(Tim Burton, 1990). Ambos nasceram diferentes e, mesmo tendo consciência dessa condição, lutam para se enquadrar em uma sociedade que os faz sentir-se vazios e os vê com partes iguais de medo e curiosidade.
Apesar destas circunstâncias, não devemos esquecer o tema central do romance: o amor. Porém, não se refere a nenhum tipo de amor, mas sim ao primeiro, aquele que todos nós vivenciamos na juventude, responsável pela maior aventura de nossas vidas, bem como responsável por muitas alegrias, mas também por muitas tristezas . Um sentimento tão forte e puro que turva a razão, maior do que qualquer outra emoção que já experimentamos, capaz de sobreviver ao tempo e ao esquecimento, bem como de superar qualquer adversidade e superar todos os obstáculos que surgem para alcançar esse objetivo. pessoa; Contudo, também implica engano, traição, indiferença e, em muitos casos, dor. Esse é o amor descrito com grande precisão por Mathias Malzieu em suas diferentes etapas até chegar a um final agridoce, já que nem todas as histórias terminam com final feliz para seus protagonistas.
Quanto à técnica narrativa do autor, importa referir que a prosa utilizada, caracterizada pela sua beleza sombria e comparável à utilizada por outros escritores como Dean Koontz ou Alejandro Castroguer nos seus livros, é em certos fragmentos excessiva, e até necessária. Como resultado, o ritmo diminui e a leitura se torna tediosa. No mesmo sentido, a inocência de seus personagens beira a ingenuidade, pecando desde a infantilidade, afetando o desenvolvimento da trama e a evolução que nela vivenciam. Ou seja, embora seja uma história, o autor esquece que o público-alvo é preferencialmente adulto e, portanto, a narração deve ser adequada para não causar tédio e rejeição.
Na linha de “O Menino do pijama listrado» (John Boyne), «O enigma e o espelho» (Jostein Gaader) ou «As cinco pessoas que estão esperando por você no céu» (Match Albom), e prestando uma homenagem pessoal à cultura gótica, bem como ao seu grupo musical, Dionísio,
Mathias Malzieu oferece-nos uma história atípica que, no entanto, conta uma história conhecida de todos e com a qual nos sentiremos identificados, enfim… quem não sofreu com a mecânica do coração?
O MELHOR: A homenagem ao primeiro amor. A magnífica metáfora sobre a fragilidade da vida. A beleza gótica da prosa.
O PIOR: O infantilismo de seus personagens em determinadas situações. A tradução espanhola.